Seguindo isso Kelling foi contratado – muito antes que Rudy Giuliani e a sua Política de Tolerância Zero – pela Assessoria do Metro de Nova York, onde reinavam a insegurança e o crime. Seu primeiro desafio foi convencer o prefeito progressista da cidade, o democrata Ed Koch, que a solução não era reforçar o policiamento e fazer mais prisões, mas sim limpar e sistematicamente prevenir pixações no interior e no exterior dos vagões, garantir que todos pagassem seus bilhetes e erradicar a vadiagem no metro. Apesar das críticas, a transformação do Metro de Nova York começou através de símbolos concretos e detalhes que foram bastante visíveis e que re-estabeleceram ordem e autoridade. Até o célebre designer Massimo Vignelli, autor da sinalização, decidiu inverter as cores dos pôsters para tipografia branca sobre fundo preto para desencorajar as pixações. Hoje é um modelo de espaço público seguro e eficiente, além de um emblema que os nova-iorquinos não estão dispostos a se comprometerem novamente.
A idéia é simples mas poderosa: os maus hábitos se espalham rapidamente, mas os bons hábitos, com força e continuidade, podem desbancar os ruins. Como muitas coisas ao nosso redor estão em um estado crítico graças à nossa indiferença aos primeiros sinais de que algo não está certo? Quantas janelas quebradas nós vemos cada dia? Isso tem relação com a marcação de limites e a extinção dos maus hábitos com estratégias situacionais e preventivas que envolvem não só as autoridades mas também a comunidade na resolução de problemas através de participação ativa. É também o fato de revindicar o papel do Estado na regulação e controle de uma área onde interesses gerais sempre devem ter prioridade, pequenos ou grandes, com ou sem justificação. Em contraste ao que muitos clamam como perspectivas libertárias errôneas, coexistência democrática no domínio público requer a restrição de liberdades individuais para maximizar o bom uso e o desfruto coletivo dos espaços públicos.
Algumas das cidades mais bem sucedidas que lidam com essa situação escaparam de sua deteriorização com planejamento proativo com projetos de alta qualidade, cultura de higiene urbano e constante manutenção, ou como o ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, costuma dizer: “ obsessão com a acupunctura urbana.”
Uma das primeiras a levantar essas questões foi Jane Jacobs, célebre e controversa ativista de direitos civis em Nova York. Inicialmente ridicularizada por tecnocratas do modernismo urbano, hoje é vindicada e citada inclusive pelo Presiente dos EUA, Barak Obama. Em seu livro “Morte e Vida de grandes cidades” (1962) ela recupera as preexistências ricas de cidades multifuncionais, compactas e densas onde a rua, o bairro e a comunidade são vitais para a cultura urbana. “Para manter a segurança da cidade é a tarefa principal das calçadas e ruas“. Para ela, uma rua segura é uma que promete uma delimitação clara entre espaços públicos e privados, com pessoas e movimento constante, assim como pequenas quadras que geram muitas esquinas e intersecções, onde os edifícios olham para a calçada para que haja muitos olhos constantemente a vigiando.
O futuro da humanidade e do planeta depende de termos cidades melhores. Sabemos que focando em espaços privados e fugindo para periferias urbanas insustentáveis não é a solução e ainda torna o problema pior. Nossa “qualidade de vida” não pode depender dos guetos guardados por muros, alarmes e exércitos privados. Reduzindo insegurança e medo é muito mais uma prioridade aqui quanto tornar essas áreas mais eficientes, integradas e criativas. Devemos começar a olhar o espaço público como o coração da vida moderna; seu desenho, seu uso, sua gestão e suas novas funções. Devemos repensar as rua, as praças, os parques; as matas e as paisagens urbanas, que nos permite construir uma identidade e experimentar o encontro, o intercâmbio e as diferenças. “Um local somente se torna um lugar quando o apropriamos culturalmente”, disse Heidegger.
Pesquisas recentes demonstram que essas correspondências entre desenho urbano, comunidade e espaços públicos são complementos efetivos para a implementação de uma política de segurança constante. Bill Hiller, professor da Universidade de Londres, em seu Laboratório de Sintaxe Espacial, investiga e mapeia fluxos entre crime, espaço e população. Milhões de dados reunidos e anos de análises permitiram que concluísse, não diferente de Jacobs, que cidades compactas e densas são mais seguras que bairros residenciais de baixa densidade. Zonas mono funcionais com pouca presença de residências – que perdem vitalidade e pedestres em uma certa hora – também não são recomendadas. A rua novamente se torna chave com muitas dimensões – não em grandes proporções – um tecido urbano denso entre edifícios que conformam uma rede com boa densidade populacional. As torres com gradis ou muros para a rua e os inatos shoppings centers que se isolam do espaço público, entretanto, não ajudam. O ideal: quadras com comércios no térreo e residências nos pavimentos superiores, conformando ruas e bairros animados e heterogêneos que misturam pessoas e atividades distintas, do educacional, cultural e institucional ao comercial, turístico e produção sustentável.
Os problemas de segurança devem fazer parte das normas urbanísticas assim como fazer parte dos desafios iniciais de projeto, arquitetura e obras públicas. As atuais ansiedades e impossibilidades nos desafiam a buscar e inovar com outras lógicas, a fim de criar uma cidade com maior participação e menos especulação.
Britto , Fernanda . “Mais segurança requer melhores espaços públicos”. ArchDaily. <http://www.archdaily.com.br/97751>